Artigo do juiz Herval Sampaio sobre o ministro Gilmar Mendes

Artigo do juiz Herval Sampaio sobre o ministro Gilmar Mendes

Depois de seis textos em que ousei mencionar o nome do colega Gilmar Mendes, claramente descumprindo, na essência, o Código de Ética da Magistratura (http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/900-codigo-de-etica-magistratura-vale-para-ministros-do-stf-ou-so-para-juizes) e assumindo os riscos de tal atitude, resolvo nesse texto ir além de tudo isso para dizer, sem meias palavras, como se diz, é muita “Cara de Pau” de sua Excelência!

Não falo aqui no mérito, pois não conheço as possíveis peculiaridades que tenham alicerçado as decisões de Gilmar Mendes em soltar o empresário carioca Jacob Barata Filho e ressalto que sequer fui atrás de averiguar tais peculiaridades, pois aqui não discuto o mérito!

http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/971-declaracoes-genericas-e-fora-dos-autos-entre-autoridades-da-republica-a-enfraquecem

http://g1.globo.com/politica/noticia/gilmar-mendes-manda-soltar-de-novo-empresario-jacob-barata-filho.ghtml

Faço, inicialmente, um pequeno resumo dos fatos para quem não quer ver a história toda no link supra: esta semana, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, se envolveu em mais um caso polêmico envolvendo o jogo político. Como juiz, Gilmar proferiu decisão na quinta feira, 17, concedendo habeas corpus ao empresário do setor de transportes Jacob Barata Filho e a Lélis Teixeira, ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do RJ (Fetranspor), presos desde o início de julho durante a operação Ponto Final, um desdobramento da Lava Jato que acabou por desmontar um esquema de corrupção no setor de transportes do Rio de Janeiro.

Logo após a decisão no STF, o Juiz Federal do Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, decidiu prender novamente o empresário Barata. Mas, de igual forma, Gilmar Mendes decidiu soltá-lo. Foram doishabeas corpus concedido em poucos dias, em uma celeridade processual impressionante e sem precedentes, já que a média de seu gabinete, em casos semelhantes, é mais ou menos 21 dias.

Não acredito que exista qualquer rusga entre os dois colegas magistrados citados, entretanto, se tal rusga existe, esta não pode ultrapassar os limites da relação entre eles e vir a influenciar suas decisões e colocar em xeque os cargos que ocupam.

Ou seja, sendo mais claro: se há uma disputa pessoal entre o colega de primeiro grau e o Ministro, ressalto mais uma vez que não acredito nisso, afirmo que a sociedade não tem nada a ver com isso!

O que vejo é um momento ímpar em que as autoridades deste País resolvem agir contra todas as ilegalidades de forma indiscriminada, começando, finalmente, a fazer valer a lei para todos, não se importando que sejam políticos influentes ou empresários poderosos, já que o Brasil só vai crescer, verdadeiramente, quando os corruptos começarem a efetivamente a serem punidos. Sobre essa distinção entre o Juiz de primeiro grau e o Ministro me socorro de um texto fantástico de um colega, Edu Perez, na qual transcrevo na parte que interessa, mas segue link de todo o texto também publicado no nosso site  http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/outrosautores/981-distincao-entre-juizes-concursados-e-ministros

“Marcelo Bretas é magistrado aprovado em concurso público, a quem cabe o julgamento de uma parcela da Lava Jato. Honesto, como a avassaladora maioria dos juízes, faz cumprir a lei sem admitir interferência política, econômica ou compadrio.
O perfil do concursado é, via de regra, mais discreto, especialmente do juiz, titular de um dos três Poderes da República. Marcelo não é adepto de pirotecnia ou comentários midiáticos, tal qual grande parte dos magistrados, que em seus gabinetes precisam lidar com os mais de 100 milhões de processos no Brasil, número que não existe em nenhum outro lugar do mundo.
Aprovado que fui em concurso público, entendo Bretas, assim como as centenas de colegas da Magistratura que tive o prazer de conhecer nestes anos. Uma base moral sólida e uma dedicação aos estudos é o que caracteriza os que buscam a estreita porta dos concursos.
Isso nos poupa de um eventual beija-mão e da dependência de conchavos políticos para obter um cargo qualquer na pérfida prática identificada por Machado de Assis naquilo que cunhou como “país dos bacharéis”, denunciando com essa expressão a “produção legal da ilegalidade”, em que o direito é manipulado conforme a conveniência de interesses privados e não raro com efeitos contrários aos pretendidos pela lei.
Infelizmente, o que nós todos como brasileiros temos presenciado diariamente é uma inversão de valores e uma celebração à injustiça, digna de um roteiro de filme B, no qual os vilões são tão caricatos que se tornam facilmente identificáveis, não raro sequer conseguimos vê-los como humanos.
Vilões arrogantes, com suas capas teatrais, suas risadas características e seus lábios caídos, odeiam o povo, odeiam a honestidade, odeiam a alegria. Nunca basta o poder que possuem, querem sempre mais, e mais se regozijam quanto mais vêem pessoas boas na miséria.

Explico, desde logo, que não vou tocar no mérito de tais decisões e não é o âmago deste texto abordar aspectos do mérito. Primeiro, porque estaria descumprindo o próprio Código de Ética da Magistratura mencionado anteriormente e segundo, e mais importante, desvirtuaria o quero aqui expressar, de modo que não vou discutir, nem mesmo ao mínimo, o mérito das decisões proferidas por Sua Excelência.

Serei o mais direto possível: quando Gilmar Mendes não se declara, de ofício, suspeito em um caso em que se faz evidente a sua suspeição, é de se duvidar, objetivamente, de quais interesses vem arrimando suas últimas atitudes e até mesmos decisões, decisões não são suas, pois o são do cargo que ocupa e do Estado que presenta, sendo aí que se encontra o “x” do problema!

Vou então falar de forma mais fácil para ser compreendido por todos: a decisão dada por Gilmar Mendes nesse caso em específico e em todos os outros, bem como todas as decisões proferidas por todos os juízes deste país, não pertencem a seus prolatores, mas sim, do Estado-Juiz, e a preocupação que deve residir naquelas pessoas que resolvem ser magistrados, é justamente se abster de trazer suas vontades pessoais, valores, enfim quaisquer sentimentos e interesses para seus julgamentos, pois não se pode fazer “cortesia com chapéu alheio”!

Não sendo suas as decisões, há que prevalecer sempre os valores objetivos previstos nos textos normativos, aos quais devem reverência formal e material, logo, nada além disso, deve ir para a decisão do Estado-Juiz e as pessoas físicas que ocupam os cargos devem começar a se tocar de tal fato e serem mais republicanas, na acepção da palavra, sob pena do Poder Judiciário perder o respeito que ainda tem com o povo, caindo em total descrédito suas decisões.

E com todo o respeito que sempre tive a sua Excelência, o que neste texto em específico resolvo exagerar no modo de me dirigir ao mesmo, ouso dizer que, ainda que objetivamente tivesse razão em seus argumentos jurídicos para não reconhecer a suspeição, deveria tê-la reconhecido, pois o momento exige que o Poder Judiciário também comprove ter legitimidade substancial para proferir suas decisões.

Como diz o famoso ditado: “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

Não há nenhuma dúvida para mim que o Ministro mantem relações próximas com o empresário libertado, já que foi padrinho de casamento de sua filha, não sendo plausível a alegação de que o referido casamento acabou logo após e que o contato tenha sido somente no dia do casamento. Já foram noticiados diversos outros elementos de ligação entre eles que deveriam ser levados em consideração por Gilmar Mendes para que reconhecesse sua suspeição de ofício e não agir como agiu, soltando o empresário duas vezes, dando a entender que ficou chateado com seu colega Marcelo Bretas que decretou mais uma vez a prisão domesmo.

http://g1.globo.com/politica/noticia/mpf-do-rio-pediu-suspeicao-de-gilmar-no-caso-de-jacob-barata-filho-ainda-nao-ha-decisao.ghtml

http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2017-08/gilmar-mendes-diz-que-nao-ha-suspeicao-alguma-para-julgar-jacob-barata

A polêmica, então, surgiu em decorrência da possibilidade de suspeição ou impedimento do ministro em virtude dele e de sua esposa, Guiomar Mendes, terem sido padrinhos de casamento de seu sobrinho com a filha de Barata. Mas os possíveis vínculos pessoais e profissionais não param por aí. A mulher de Gilmar Mendes, trabalha em um escritório de advocacia que atua em casos relacionados aos empresários. Além disso, o advogado Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch, que defende Gilmar Mendes, também atua em processos do investigado Jacob Barata Filho.

Se não fosse tudo isso, não se deve ter nenhuma preocupação com o próprio Poder Judiciário como um todo?

Quando indagado, Gilmar Mendes limitou-se a devolver o questionamento: “ser padrinho de casamento impede alguém de julgar um caso? Vocês acham que isso é relação íntima como a lei diz?” Ora, se todas essas relações não significarem justificativas para uma suspeição ou impedimento de um juiz, então o ministro Gilmar precisa nos ensinar como melhor interpretar os textos normativos, que ele insiste em dizer que não se aplicam os novos motivos de suspeição do novo CPC ao CPP.

Corroborando com essa linha de entendimento, os procuradores do Ministério Público Federal, no Rio, analisam a possibilidade de pedir a suspeição ou o impedimento do ministro nos casos relacionados ao empresário Jacob Barata Filho. E devem fazê-lo, não só para que nos casos em tela se restabeleça, se for o caso, a decisão equivocada, já que nessa parte me atrevo a tecer comentários, contudo tal medida se faz necessário a fim de a Justiça não seja confundida, como está sendo, com o colega Gilmar Mendes, que não representa a classe, como já foi visto nas palavras de vários juízes que, como eu, toveram coragem de falar publicamente sobre o episódio.

Se tudo isso não bastasse, neste sábado (19/08), Gilmar decidiu estender a soltura para outros quatro presos na mesma operação: Octacilio de Almeida Monteiro, Cláudio Sá Garcia de Freitas, Marcelo Traça Gonçalves e Enéas da Silva Bueno. E ainda aproveitou para atacar o MPF nas decisões, chamando os procuradores de “trêfegos e barulhentos” e afirmando que os juízes não podem ceder à pressão deles, nem se curvar ao clamor popular. Gilmar argumenta que houve exagero nas prisões, e finaliza citando Rui Barbosa: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde“.

Realmente ministro Gilmar Mendes, a covardia não pode ser característica de um magistrado, que lida diariamente com a vida e o destino das pessoas que lhes chegam angustiados para solucionarem suas problemáticas, não devendo o seu trabalho ser pautado pela mídia e muito menos deve decidir pela suposta pressão pública.

Por outro lado, o juiz também deve atentar sempre para as suas funções e responsabilidades e saber seus limites de atuação e, principalmente, deve compreender que há casos em que não pode nem deve atuar, não só pelo aspecto da legalidade, mas também pelo aspecto da proteção da instituição judiciária e da ética, tão esquecida atualmente, aspecto que Vossa Excelência nunca se preocupou, pois o que mais faz nesses últimos dias é tecer declarações contra seus próprios colegas, colocando o Judiciário em xeque perante a população.

Entretanto, quantas vezes se fizerem necessárias, bradarei que  o Judiciário não é o ministro Gilmar Mendes e nem mesmo o STF, como o fiz nesse artigo: http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/153-decisao-stf-descumprimento-judicial-inaceitavel.

É óbvio, ainda, que não defendo que as garantias constitucionais processuais sejam descumpridas com a justificativa de se combater a corrupção. Por outro lado, não se pode esquivar-se do cumprimento objetivo do direito penal a custo de filigranas processuais que restam acolhidas em total descompasso com a própria finalidade do direito processual, em especial o que é marcado atualmente, pelo selo do seu modelo constitucional, na qual tem como prisma, a efetiva tutela dos direitos materiais.

Sinceramente, com todo o respeito aos demais ministros do STF e aos membros do Conselho Nacional de Justiça, não entendo o porquê de não ter sido aberta ainda qualquer procedimento administrativo ou judicial contra Sua Excelência, em face de suas inúmeras declarações publicizadas nos últimos dias, declarações estas tão abundantes, que se fôssemos escrever um texto para cada uma, não me sobraria mais nenhum tempo ou espaço para abordar outro assunto (http://jornalggn.com.br/noticia/carta-aberta-aos-ministros-do-supremo-por-luis-nassif).

É possível, diante de tudo o que está acontecendo e da inversão de valores que se observa, que quem seja investigado seja eu e os demais colegas, como por exemplo, Eduardo Perez, que, oportunamente, tiveram coragem de se indignar contra essas ações desmedidas de um Ministro do STF, que se encontra corriqueiramente com políticos, alguns que ele está julgando ou irá julgar. Será que esse tipo de relacionamento agora é normal e todos os Juízes brasileiros não precisam se preocupar mais com essa cautela?(http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/910-em-defesa-magistratura e http://m.folha.uol.com.br/amp/poder/2017/08/1911404-temer-maia-e-gilmar-se-reunem-fora-da-agenda-tema-seria-reforma-politica.shtml).

Finalizando, para não me alongar mais sem que deixe de ser claro em minha posição, que penso ser subscrita por todos os juízes deste País, com raras exceções, exigimos que o Ministro Gilmar Mendes seja investigado por suas últimas condutas, já que ninguém está acima da lei! E se ele insiste em achar que pode fazer tudo, alguém tem de barrá-lo e penso que deveria ser o Órgão do qual o mesmo faz parte, restabelecendo a instituição maior e todos os demais órgãos que fazem parte da estrutura do Judiciário, que por óbvio, é maior que o referido Ministro. E se não for, já estou contratando advogado para me defender no CNJ e farei a defesa com muito orgulho, já que se é para aplicar Justiça, que sua Excelência seja punido primeiro, pois, na seara administrativa, no que se refere aos comentários que tece em concreto sobre decisões de colegas, a prova é irrefutável e ele mesmo sequer nega.

Que a lei seja cumprida para todos, é o que queremos, simples assim!

Fonte: Portal Novo Eleitoral

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