Desde o início das audiências de custódia, em outubro de 2015, a modalidade tem gerado polêmica entre policiais e membros da sociedade civil, sob a alegação de que “a Justiça solta quando a polícia prende”. No entanto os dados do Judiciário mostram que somente 2% do total de pessoas detidas que respondem o processo em liberdade voltam a cometer crimes.
A insatisfação é exposta principalmente pelos policiais militares, que participam do patrulhamento ostensivo e são os responsáveis, na maioria das vezes, pelo atendimento aos casos de flagrante.
O NOVO conversou com um deles, que pediu para ter a identidade preservada. O PM critica o modelo das audiências por acreditar que o procedimento desfaz o trabalho realizado pela guarnição quando devolve à rua alguém que foi detido.
O juiz Cleofas Coelho, presidente da Associação de Magistrados do RN (Amarn), é quem faz a estimativa da porcentagem de 2% de reincidência. Ele diz que compreende a “frustração” que as audiências de custódia geram nos operadores da segurança pública, porque o procedimento modificou a maneira de como eram realizadas essas audiências.
De acordo com o que explica o magistrado, antes as pessoas detidas, depois de serem levados à delegacia, tinham o processo remetido ao juiz competente para julgá-lo. Era mais demorado do que agora, o juiz analisava de longe a situação e definia o futuro do preso. “Algumas vezes faltava um documento e a pessoa que tinha o direito à liberdade passava dois ou três dias ainda detido”, acrescenta.
Agora, segundo Cleofas Coelho, os policiais conduzem os suspeitos para as audiências, que são realizadas imediatamente após a detenção. Como o processo é mais ágil, argumenta o juiz, gera uma situação diferente.
Aqueles que podem responder o processo em liberdade são liberados em pouco tempo, diante ainda dos agentes da segurança que os prenderam. “Gera a aproximação do policial dos casos de soltura, causando insatisfação”, corrobora.
Cleofas Coelho diz ainda que compreende a “frustração” dos policiais. “Muitas vezes eles arriscam a vida em uma ocorrência e se dedicam para isso, não estou aqui para criticá-los”.
No entanto, o magistrado esclarece que o papel do juiz no momento da audiência de custódia é fazer valer a lei, que, em casos específicos, dá o direito da pessoa detida a responder o processo pelo qual foi flagranteada em liberdade. “Se há alguma revolta da população é contra a lei, e não contra as audiências”, argumenta.
O presidente da Amarn lembrou ainda que em todos os estados do país os Tribunais de Justiça realizam as audiências de custódia por se tratar de uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). “E os critérios usados são os mesmos. Não há qualquer orientação para soltar mais ou prender mais”, defende.
Cleofas Coelho enfatiza que a soltura não isenta o acusado de responder ao processo, e sim lhe concede o direito de fazê-lo em liberdade. Quando o processo é concluído e o magistrado entende que o indivíduo deve cumprir pena em privação de liberdade, esclarece Coelho, expede um mandado de prisão.
De acordo com o Banco Nacional de Mandados de Prisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Rio Grande do Norte possui atualmente 10.403 mandados em aberto, aguardando cumprimento. “Pode ter aí pessoas que receberam essa soltura e agora deveriam estar presas”, alega Cleofas Coelho. O número é superior à população carcerária potiguar, que hoje possui em torno de 7 mil presidiários.
A primeira avaliação feita pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte após a implementação das audiências de custódia apontou para um baixo índice de reincidência dos presos que são liberados.
No primeiro mês de implementação no RN, foram 171 audiências realizadas em Natal entre outubro e novembro de 2015, com 225 flagranteados. Durante os trabalhos, 90 presos tiveram alvará de soltura expedido. De acordo com o que informou o TJ, somente um deles, 0,9% do total, reincidiu no crime.
Ainda segundo os dados divulgados pelo Tribunal de Justiça, naquele período 81 mandados de prisão foram expedidos, houve 52 arbitramentos de fiança pela autoridade policial e em nove casos houve indícios de abuso físicos pela polícia.
Segundo informou à época o então secretário de Justiça e Cidadania, Cristiano Feitosa, cada detento custa, em média, entre R$ 2,8 mil e R$ 3 mil ao Estado por mês. Desta maneira, evitar que mais gente ingresse nas penitenciárias quando essas pessoas poderiam responder aos crimes em liberdade, além de garantir um direito, gera economias aos cofres públicos. O NOVO solicitou ao Tribunal de Justiça os números atualizados das audiências de custódia, entretanto não os obteve até o fechamento desta edição.
O que prevê o novo procedimento?
As audiências de custódia preveem um conjunto de novos procedimentos que devem ser observados no tratamento de pessoas presas em flagrante no Brasil. Depois da adoção das audiências nos estados brasileiros, todo preso deve ser apresentado em até 24 horas de sua prisão a um magistrado, que avaliará a necessidade e a legalidade de manter a pessoa em uma unidade prisional.
O juiz poderá decidir, de acordo com as circunstâncias em que a prisão ocorreu, por manter as pessoas detidas ou lhes conceder o direito de esperar pelo julgamento em liberdade. Os magistrados podem ainda determinar o cumprimento ou não de alguma medida cautelar, como usar tornozeleira eletrônica até a data do julgamento.
Fonte: Novo Jornal.
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