A atitude de uma personalidade pública ao disponibilizar em uma rede social o endereço familiar do ministro Teori Zavascki, conclamando a população para protestar como forma de pressioná-lo contra uma decisão proferida, consiste em um ato de extrema gravidade diante do contexto de radicalidade com que se comporta uma parcela da população em meio à crise política.
Situação semelhante também foi vivida pela mãe do juiz Sérgio Moro, vítima de manifestantes em um evento alusivo ao Dia Internacional da Mulher, circunstância que simboliza o nível de intolerância a que chegamos. A gravidade dos fatos decorre da complexidade deste momento, não somente por vivermos uma crise política de grande dimensão, mas também por estarmos, pela primeira vez, experimentando uma crise com ampla interatividade propiciada pelas redes sociais.
Avançamos muito na velocidade e quantidade das informações, mas ainda não decolamos no que diz respeito à qualidade e à veracidade. Com urgência, temos que produzir um intenso debate sobre a ética nas comunicações virtuais e a responsabilidade de cada cidadão por suas posturas no ambiente digital.
No caso que atingiu a família do ministro Zavascki, percebe-se, com muita clareza, que o uso da mídia social não teve qualquer objetivo democrático. Ocorreu uma evidente agressão, colocando em alto risco as pessoas envolvidas. Longe de um democrático protesto contra uma decisão judicial, o ato busca atingir a independência do Poder Judiciário enquanto instituição. Típica conduta que atenta contra uma instituição democrática que está funcionando dentro dos padrões constitucionais.
Sabemos que a crise está intimamente vinculada ao que veio à tona na Operação Lava Jato. Os processos que envolvem esse grave caso de corrupção são fundamentais para o País. Temos que exorcizar o fantasma da corrupção, e, para tanto, as instituições envolvidas devem ter ampla liberdade em investigar para que possamos apurar integralmente todos os fatos. A independência, a autonomia do Judiciário, o devido processo legal e a ampla defesa são algumas das condições constitucionais que norteiam os magistrados nesse processo, assim como em qualquer outro.
A discussão pública em torno destes preceitos é perfeitamente normal no ambiente democrático e as divergências entre os tribunais são componentes fundamentais para acompanhar a dinâmica dos fenômenos produzidos pela sociedade.
Ocorre que, neste exato momento, experimentamos no País uma polarização muito extremada que vem afetando as relações sociais e até familiares. Necessitamos reconstruir as relações políticas e nos fixarmos em um conceito prospectivo de nação. Temos que, prontamente, identificar todos os segmentos dispostos a unificar o Brasil em um projeto nacional, acalmar os ânimos e reconstruir as pontes de diálogo destruídas até aqui. Identificar os atores capazes de pacificar a sociedade é uma tarefa que deve ser cumprida imediatamente.
O certo é que os radicais que ocupam os vários espaços públicos como o personagem do Twitter não demonstram mínima capacidade para o diálogo. Ou por uma deficiente formação cidadã, ou por decorrência de uma despolitização que podemos definir como uma ideia subvertida da política. A tendência ao autoritarismo é marcante neste movimento. Manipulam a lógica e os fatos, conduta típica dos movimentos que desembocaram na política do entreguerras na Alemanha, como bem lembrou Hannah Arendt em “As Origens do Totalitarismo”.
Acreditamos que esse estamento seja uma minoria, embora mais presente no mundo virtual, aliás, como bem observado por Umberto Eco, um grupo que não conseguiu expressão nos espaços convencionais e adquiriu visibilidade nas redes sociais.
Mas é importante que a sociedade perceba que serenidade é a palavra de ordem para superarmos esta crise e promover o fim da corrupção nos meios público e privado. Recomendo a leitura do texto publicado essa semana pelo procurador geral da República, Rodrigo Janot, em que prega a união do País e a serenidade, palavras extremamente oportunas para este momento.
Quanto àqueles que de forma truculenta utilizam as redes sociais ou qualquer outro canal, mesmo que motivados por uma dramática decadência pessoal, resta propor os caminhos da solidariedade e, sem êxito, podemos, quem sabe, apelar para aquele ritual de um povo ancestral de algum lugar do mundo em que a comunidade se reúne em volta da fogueira para chorar a precariedade existencial de um de seus membros e, assim, expiar as suas dores.
João Ricardo Costa, juiz de direito, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
Fonte: AMB
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