Somos especialistas em negar as coisas como elas são. Acreditamos que a realidade pode ser regulada como um perfil de rede social ou como a estante da sala.
Não pode.
Por mais que coaches, assim chamados artistas, apresentadores e profetas da auto-ajuda continuem a proclamar que o mundo é um reflexo de nossas emoções e que basta pensar positivo para mudar tudo, não basta.
Quando nos deparamos com um morticínio como o cometido em Suzano hoje, 13 de março, acionamos nossos mecanismos de racionalização e passamos a opinar sobre os motivos e decretar formas para evitar que novos casos aconteçam, tudo na tentativa vã de tornar o mundo novamente um local seguro.
Vou estragar a surpresa: ele não é, e nunca será, seguro.
Ao lado de sanguinários assassinos, vivem soberbos psicopatas, sedutores parasitas, amargurados transeuntes. Nenhum de nós está isento de conviver com um monstro ou até mesmo de se tornar um, especialmente se insistir em negar que isso é possível.
Pequenos atos de egoísmo se acumulam em um mar de maldade no qual tentamos mais ou menos não nos afogar no dia-a-dia.
As gotas mais oleosas são aquelas que se querem mais limpas. São, vale exemplificar, como os discursos político-partidários e ideológicos proferidos por ogros que buscam capitalizar almas sobre os corpos ainda quentes das vítimas, ou aqueles que celebram as mortes, como um jogo.
Não é possível prever o imprevisível. Há, sem dúvida, a arrogância de alguns no querer controlar a humanidade com uma plêiade de regras, no fetiche do caudilhismo pantomímico com suas palavras de ordem, seus gritos histéricos e sua agressividade gestual.
Como disse o então Primeiro Ministro britânico, David Cameron, em 2010, após o massacre em Cúmbria, não é possível legislar sobre a insânia na mente de alguém para evitar que isso aconteça (https://bbc.in/2VU9aiM). Pensar o contrário é pura loucura, a devassidão do ditador.
Além da monstruosidade, vivemos também em nossas cadeias de solidão. Não vemos o outro. Muitas vezes vemos apenas a nós mesmos e, conquanto isso possa não nos tornar bestas feras, sem dúvida é um traço terrível de nosso egoísmo instintivo, que faz com que nos preocupemos apenas com nosso bem-estar.
Redime a humanidade, contudo, a existência de pessoas como Silmara, a merendeira da escola em Suzano que, com a ajuda de mais dois funcionários, abrigou e barricou a porta da cozinha para proteger cerca de setenta estudantes do ataque (https://glo.bo/2Fb4AHy).
Embora em menor evidência, não são tão raras como pensamos pessoas cujo brilho só surge quando chega a noite mais escura, tal qual foi o caso da professora Heley de Abreu, que, em outubro de 2017, morreu queimada para salvar seus alunos de mais um monstro (https://bit.ly/2Jd2dbm).
O Judaísmo nos entrega a rica lenda dos Tzadikim Nistarim, trinta e seis pessoas santas cuja conduta reta e desapegada justifica a humanidade aos olhos de Deus. São anônimos que desconhecem até mesmo a importância daquilo que são, e cuja humildade e compaixão evitam que a Terra pereça.
Da mesma forma que há pessoas prontas a tirar a vida alheia, existem aquelas disposta a entregar a sua existência pelo próximo. Enquanto os assassinos chegam bem armados, os anjos, na falta de espadas (e que falta fazem!), revestem-se de coragem e usam seus próprios corpos como armas.
Porque não é possível, nem nunca será, prever a extensão do mal, é preciso semear o bem em constante alerta. Não é questão de ideologia, mas de sobrevivência.
Edu Perez Oliveira – Juiz TJGO