“Farinha pouca, meu pirão primeiro…”
Cleofas Coelho
Presidente da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte – AMARN
Somente na terra de comedores de cabeça de camarão poder-se-ia acreditar que uma luta fratricida entre os Poderes locais quanto ao repasse dos duodécimos levaria a uma revisão da previsão estatuída na Constituição Federal!
Uma luta renhida é travada anualmente na Assembleia Legislativa quando da análise e aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE). É uma arena de combate real onde cada Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) e Instituição (Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública), busca ampliar seu cabedal para fazer face às despesas de pessoal e ao custeio e investimentos.
Distorcer essa realidade constitucional com chavões e gritos não retirará o RN da crise em que foi lançado nas últimas décadas. As distorções na programação orçamentária e na execução financeira do OGE nunca foram corrigidas, permitindo superávits anuais nas finanças de alguns Poderes e Instituições. E o “mimimi” não resolverá a questão.
Por que existem os superávits se a máquina pública não gera lucros? Porque a programação orçamentária é fantasiosa, imaginária, “achista”, prevendo aumentos salariais que não se confirmam, execução de projetos que não se realiza, investimentos em obras e equipamentos que não alcançam êxito no ano fiscal, restando assim as “sobras de caixa”, ou seja, os superávits anuais traduzidos em receitas maiores que as despesas, sendo frutos dessa programação orçamentária inexata e de uma execução financeira ineficiente.
A divulgação da segunda maior arrecadação própria da história do fisco RN teve o condão de ressuscitar novos debates sobre a origem e o destino dos recursos públicos. Acusam os Poderes Judiciário e Legislativo e as Instituições, Tribunal de Contas, Ministério Público e Defensoria Pública, de serem apenas gastadores do que o Executivo arrecada. Mas, querem esquecer, distorcer, que assim foi decidido e posto na Constituição da República (e na Constituição do Estado do RN), onde cada Poder e Instituição tem seu papel específico, competindo ao Executivo o papel de arrecadador de tributos. Mesmo assim não se pode esquecer dos milhões arrecadados nas execuções fiscais e de outros tantos que sequer são executados.
Por outro lado, cada Poder tem percentuais específicos da Receita Corrente Líquida do Estado para fazer face ao pagamento de PESSOAL (vencimentos, salários, gratificações etc.), cabendo ao Executivo 49% de toda RCL, ao Legislativo e Tribunal de Contas 3%, ao Judiciário 6% e ao Ministério Público 2%. Já as rubricas Custeio e Investimentos são decididas no “achometro” e na “briga” quando da discussão sobre o Orçamento Anual. Ou seja, é uma luta de todos os Poderes e Instituições para se manter com os recursos amealhados dos contribuintes. O enfrentamento ou a harmonia se definem na arena da Assembleia Legislativa.
O OGE/RN é aprovado pela Assembleia Legislativa. A luta é lá. O próprio Executivo encaminha o que os Poderes e Instituições propõem. E o próprio Executivo negocia com os Poderes e Instituições para aumentar ou diminuir o quinhão proposto por cada um anualmente. Não existe mistério. Na democracia impera a negociação.
O Judiciário potiguar tem sido acusado de manter reservas financeiras e com elas pagar direitos e vantagens a seus servidores e magistrados. O auxílio-moradia retroativo – assegurado por lei federal e estadual – gerou polêmica. Pagamos nosso preço pelo recebimento de tal “regalia” diante do atraso de salários dos servidores do Executivo, especialmente na mídia.
Todavia, os salários atrasados são dos servidores do Executivo – e não de todo o Executivo, a exemplo do Detran, Educação, Idema -, portanto as dificuldades estão no seio do próprio Executivo, do gigantismo da sua máquina pública, dos planos de carreiras, cargos e salários aprovados sem lastro financeiro ao longo dos anos, e muitas vezes implantados por decisões judiciais, porque o direito dos servidores existe legalmente e o Judiciário não contesta isso, defere.
Um exemplo salutar são as gratificações de técnico de nível superior (GTNS) previstas em várias leis e pagas a servidores de diversos setores do Executivo; e, as gratificações, promoções e progressões da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros Militar e da Polícia Civil. Discute-se na Justiça agora uma gratificação nos percentuais de 50%, 30% e 20% sobre o salário do auditor fiscal de carreira para os escalões de direção, assessoramento e apoio da Secretaria Estadual de Tributação cuja lei é de 1971!
Portanto, a par da manifesta solidariedade cobrada pelo Executivo aos demais Poderes e Instituições, quem precisa fazer a lição de casa é o próprio (que fica com mais de 85% de toda a receita anual para atender suas necessidades organizacionais, servidores e atendimento à população), inclusive na tomada de duras decisões nas negociações do orçamento anual do Estado. Isso porque “farinha pouca, meu pirão primeiro”.