A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) publicou um levantamento inédito que revela como a Justiça vem sendo utilizada por importantes setores do País e apresenta os principais responsáveis pela concentração do litígio entre os 100 maiores litigantes. Realizado em 11 Unidade da Federação, o estudo O uso da Justiça e o litigio no Brasil aponta uma alta concentração de processos apresentados por um número reduzido de atores. No topo do ranking estão o poder público (municipal, estadual e federal), bancos e instituições de crédito seguidos pelo setor de telefonia e comunicações.
Com dados de 2010 a 2013, a pesquisa traz o mapeamento de números e percentuais detalhados dos 100 maiores litigantes por setor, nos polos ativo e passivo, no Primeiro Grau, no Segundo Grau e nas Turmas Recursais dos Juizados Especiais. O ranking em cada um dos estados e no Distrito Federal foi elaborado a partir da compilação de todos os processos em tramitação, nos respectivos Tribunais de Justiça.
Para o presidente da AMB, João Ricardo Costa, o resultado da publicação traz um retrato preocupante quando, em muitos casos, é possível perceber um número extremamente reduzido de setores como responsável por metade ou mais do total de processos. “É uma realidade grave, que revela uma propensão ao litígio, especialmente pelos principais setores identificados, cujas causas devem ser examinadas em profundidade”, avalia. “O cenário brasileiro destoa da realidade identificada em outros países e é um indicador de anormalidade”, afirma Costa.
Além de traçar um quadro da real situação do Judiciário, o objetivo da AMB é apontar soluções para melhorar o sistema judicial brasileiro e a prestação de serviços à sociedade. “Hoje, congestionar a Justiça é alimentar a morosidade. A Justiça não consegue atender o cidadão que busca o Judiciário para resolver os seus conflitos por que os Tribunais e Comarcas estão abarrotados de processos, resultantes da má prestação de serviços regulados e da falta de fiscalização dos órgãos que deveriam atuar para fazer valer a lei, sem que milhões de casos se transformassem em processos na Justiça”, enfatiza o presidente da entidade.
Soluções
O levantamentoO uso da Justiça e o litígio no Brasiltem o objetivo de dar visibilidade ao problema da judicialização no País e, ao mesmo tempo, mostrar que há condições de enfrentá-lo. A AMB encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um projeto para a criação de um Núcleo de Inteligência e Monitoramento de Demandas de Massa no Poder Judiciário. A proposta da entidade é de que centros de monitoramento sejam instalados em todos os tribunais de todo o País e coordenados pelo próprio CNJ, junto ao Departamento de Pesquisa Judiciária, para que seja possível acompanhar e monitorar o ingresso de ações judiciais. “Por meio de um banco de dados será possível prever e propor soluções à litigiosidade excessiva, envolvendo todas as áreas do Poder Judiciário”, explica o coordenador do movimento da AMB e vice-presidente Institucional da AMB, Sérgio Luiz Junkes.
A pesquisa
A pesquisa foi coordenada pela cientista política e professora Maria Tereza Sadek, uma das mais respeitadas estudiosas do Judiciário no Brasil. O estudo representa um esforço inédito resultante da sistematização e análise de dados coletados junto aos Tribunais de Justiça de onze Unidades da Federação: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe
Segundo o coordenador da pesquisa e vice-presidente da AMB, Sérgio Luiz Junkes, o estudo teve como base informações fornecidas a partir do banco de dados dos tribunais participantes, algo inovador e ao mesmo tempo bastante árduo. “Durante esse processo, a AMB constatou que não existe um procedimento padrão estabelecido para o preenchimento das informações sobre as ações existentes nos tribunais. Repetidas vezes, uma mesma parte, no polo passivo ou ativo, havia sido computada com grafias distintas, o que dificultou a compilação, a sistematização e a análise dos dados”, explica.
“É urgente a necessidade de aprimoramento dos sistemas de informação em todo o Judiciário. A AMB pretende recomendar, por meio do CNJ, uma série de sugestões aos Tribunais para aprimorar a padronização dos sistemas e a alimentação dos dados. Isso vai possibilitar maior precisão e um diagnóstico mais apurado sobre o excesso de litigiosidade, além de permitir o mapeamento para enfrentar as demandas repetitivas e, até mesmo, apurar o impacto financeiro que esses tipos de ações geram para os cofres públicos”, avalia Junkes.
Alguns dados
A administração pública lidera a disputa judicial no Primeiro Grau como parte ativa no universo dos 100 maiores litigantes em oito unidades federativas: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rondônia. O setor financeiro é o que lidera a abertura de ações judiciais no Primeiro Grau em três estados: Paraíba, Rio de Janeiro e Sergipe.
A Justiça Estadual de São Paulo, que concentra aproximadamente 40% dos processos em tramitação no País, é um dos exemplos da expressiva concentração setorial: a administração pública municipal figurou como parte ativa em mais da metade dos processos no Primeiro Grau entre 2010 e 2013, considerando os 100 maiores litigantes.
Em Santa Catarina, o poder público municipal também figurou como o principal litigante na parte ativa do Primeiro Grau de 2010 a 2012 (considerando o total de processos apresentados pelos 100 maiores litigantes). Perdeu a dianteira para o setor financeiro em 2013. Naquele Estado, os 100 maiores demandantes foram responsáveis por 56% dos processos ajuizados no Primeiro Grau e 53% no polo passivo.
Polo Passivo
Já entre as partes no polo passivo, também no Primeiro Grau, o bloco econômico representado pelo setor financeiro é o principal demandado nos seguintes Tribunais de Justiça: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Santa Catarina e São Paulo. A administração pública foi a principal demandada apenas em Sergipe e no Rio Grande do Sul.
No conjunto dos processos envolvendo os 100 maiores litigantes em Segundo Grau, instância na qual se busca reverter sentença anterior, o setor financeiro concentra as demandas em sete de 10 unidades da Federação: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Santa Catarina e Sergipe. A administração pública figura em mais processos no Segundo Grau nos Estados da Paraíba, do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
O setor financeiro também predomina como parte passiva em Segundo Grau entre os 100 maiores litigantes, em sete Unidades da Federação: Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina.
Nas Turmas Recursais, o setor financeiro também concentra o maior volume de processos no polo ativo em seis Unidades da Federação, entre 2010 e 2013: Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. O setor de telefonia e comunicações foi o que mais acionou as Turmas Recursais em Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. A administração pública concentrou as demandas apresentadas no Distrito Federal e em Rondônia.
Esse quadro se repete no polo passivo das Turmas Recursais: as empresas do setor financeiro novamente foram as que mais concentraram processos em seis dos 10 estados onde foi feita a pesquisa (Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Santa Catarina e São Paulo). Em Sergipe, o grupo predominante foi o setor de serviços. Já a administração pública respondeu pelo maior número no Distrito Federal, no Rio Grande do Sul e em Rondônia.
Fonte: AMB
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