Uma das qualidades que me orgulho ao longo de minha vida pública é a questão da coerência, já que o acerto ou não de minhas posições, quer jurídicas ou até mesmo como cidadão, – pois não abrirei mão nunca dessa qualidade http://www.novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/1235-juizes-menos-cidadaos, como venho insistindo em deixar claro publicamente – é apenas um detalhe.
Já a coerência e principalmente a ausência de presunção de ilegalidade no exercício normal das funções exercidas pelas autoridades me levam a certeza de que estou no caminho certo, e nesse momento de intensa polarização ideológica e paixonite aguda inimaginável, as instituições estão em risco, primeiro a própria classe política, nunca por mim demonizada e agora, pasmem, o Judiciário, no seu sentido mais amplo, com esse famigerado projeto de lei de abuso de autoridade.
Contra essa demonização ampla e irrestrita, que só favorece aos que cometem os crimes em específico e são justamente os experts na área, devemos lutar arduamente, até mesmo os políticos sérios, que num primeiro momento, foram atingidos por possíveis abusos de autoridade, que em momento algum, são defendidos por quem quer o melhor para o Brasil.
Ninguém quer legitimar que autoridades possam usurpar de suas funções e até mesmo abusar de um poder que sequer é seu, mas o problema desse famigerado projeto de lei não é esse e sim a forma de controle, que claramente está totalmente errada e vai criar, na prática, a criminalização do exercício normal do ato de julgar e investigar possíveis ilicitudes, o que é totalmente sem sentido, como também não foi e não é plausível que se demonize o exercício normal da política. Porém, indaga-se, a solução será demonizar tudo?
Vamos realmente criar um Direito Penal Esquizofrênico, como muito bem bradou em movimento político, na acepção do termo, em Natal, o Juiz Federal Walter Nunes, ao dizer tecnicamente que não se justificava por nenhuma ótica a forma com que o legislador criava os tipos penais da lei que teve o veto de 36 pontos, mas que ainda é insuficiente para conter o temor que causará nos operários do Direito que combatem à criminalidade, acaso se torne texto normativo.
Vou continuar repetindo e podem continuar me criticando: A sociedade perderá muito, quando tivermos juízes e membros do Ministério Público com temor de exercerem o seu trabalho normal e ao mesmo tempo, os bandidos festejarão!
O controle do abuso de autoridade que infelizmente existe e em todas as áreas trazidas pelo texto ora combatido deve se dar em concreto, sem texto normativo aberto que permita interpretações subjetivas que coloque, em xeque, a própria função que se deseja constitucionalmente controlar. Simples assim.
Vejam o outro lado e aqui falarei um pouco na minha função atual de Presidente de Associação de Magistrados. Como bandeira maior do associativismo na magistratura, defendemos a independência funcional do associado no ato de decidir, logo quando um colega estiver sendo processado por suposto abuso de poder nos termos da amplitude e subjetividade desse famigerado projeto, muitas vezes, por interesses não republicanos, como sabemos que infelizmente acontece, não poderei, por óbvio fazer a defesa do nosso associado sob essas premissas, acaso não tenha provas, mas por outro lado, a lei com a vagueza da mesma, permitirá, no mínimo a investigação e o processamento do colega, mesmo que não haja condenação, o que na prática, já vai satisfazer o interesse de quem quer inibir a ação do Juiz ou membro do Ministério Público.
Isso quando o colega resolver ter coragem de seguir em eventual processo ou investigação, pois simplesmente poderá, a partir da referida lei e é aqui que justamente reside o maior problema, deixar de fazer o seu trabalho, porque simplesmente não vai querer ao final dele puder ser processado criminalmente.
Não faz nenhum sentido para a sociedade e na realidade, com todo respeito a quem pensa em contrário, para ninguém que queira o livre funcionamento de todas as instituições de nosso país e com isso do próprio sistema democrático, que o Poder Judiciário e o Ministério Público, de uma hora para outra, deixem de cumprir suas funções com a força que a Constituição Federal de 1988 lhes outorgou.
Entretanto, talvez, alguns estejam se perguntando, mas como ficam os possíveis abusos de alguns representantes do Ministério Público e Judiciário que possam ter culminado nesse movimento agora de querer também demonizar os que trabalham no combate à criminalidade?
Fiz esse questionamento e reflexão a partir de um encontro das associações que compõem a Frentas RN com os senadores potiguares Styvenson Valentin, Zenaide Maia e Jean Paul, pois a partir de um diálogo republicano e franco, precisamos, todos, rever posturas, cada qual, no âmbito de suas atuações, mas nunca, punindo em abstrato a todos e em especial a própria sociedade, pois quem não tem nada a ver com os excessos já está sendo punido com a própria demonização sem lei alguma.
Imaginem com uma lei que institucionalizará, na prática, e sem cerimônia, a demonização do exercício normal do combate à criminalidade!
Não tenho dúvida alguma em afirmar que a maioria do povo brasileiro, justamente por coerência, não quer a demonização da classe política e nem muito menos a demonização dos Juízes, Membros do Ministério Público e demais Agentes que combatem à corrupção.
Todos, inclusive, o Presidente Bolsonaro, também por coerência e sua base no Congresso Nacional, que deve lutar para manter os seus vetos, querem continuar combatendo à corrupção e procurar a forma correta e republicana de controlar os excessos de quem quer que abuse da autoridade do cargo que ocupe, mas nunca demonizando o próprio exercício das funções do cargo ocupado!
José Herval Sampaio Júnior
Presidente da Amarn (Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte) e Professor da UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)