O Juiz não fala somente nos autos, porque o Juiz é um cidadão como qualquer outro e as limitações do cargo nunca poderão lhe tirar essa condição básica de seres humanos e a própria luta universal por sua concretização é uma bandeira que não pode ser diminuída, justamente para uma classe que, no seu ofício, tutela todos os direitos, mas que em suas vidas pessoais sofrem restrições, além do que Constituição e a própria LOMAN disciplina, bem assim o Código de Ética da Magistratura.
Em sede de restrições de direitos, em especial os mais básicos de cidadania, não se pode admitir interpretação que fulmine o âmago das liberdades, pois atividade político-partidária tem sua delimitação própria e deverás compreendida há algum tempo, contudo em tempos de polarização política radical e influência midiática, os conceitos mudam a sabor das conveniências.
Vejam inicialmente o nosso primeiro texto sobre a temática, antes mesmo de qualquer regulação do CNJ, a fim de aferimento da coerência. http://novoeleitoral.com/index.php/conteudo/artigos/hervalsampaio/915-ser-juiz-nao-retira-cidadania-direito-de-posicionar-em-abstrato-temas-sociais
Já no segundo, após edição do provimento 71 do CNJ, ressaltamos o acerto dos considerandos, a partir das indiscutíveis limitações que os magistrados possuem em razão de sua peculiar função e mesmo compreendendo que vimos realmente excessos de alguns colegas, não cabendo a nós apontarmos e sim os órgãos competentes, chamamos a atenção para que todos os magistrados não fossem punidos e sim um a um, respeitando o devido processo legal. http://novoeleitoral.com/index.php/conteudo/artigos/hervalsampaio/1162-que-se-puna-um-a-um-e-nao-a-todos
E mais uma vez, nos sentimos intimados à manifestação, pela postura da Corregedoria Nacional de Justiça, em sua gestão atual, em ampliar deverás o conceito de atividade política partidária, ao ponto de restringir a fala do Juiz aos autos, o que com todo respeito que nutrimos a Sua Excelência, Ministro Humberto Martins, não concordamos e, por conseguinte, não nos calaremos, mantendo-nos fiel à Constituição, LOMAN e Código de Ética da Magistratura, que não nos calam e sim nos impõe limitações inerentes ao ofício de julgar, em especial a própria garantia constitucional processual de todos os cidadãos de terem um Juiz Natural e Imparcial a conduzir o seu processo e ao final julgá-lo, mas não a um Juiz mudo em relação a sua cidadania!
Qual relação direta ou até mesmo indireta de um Juiz que se posiciona politicamente acerca de determinados temas e não pessoas com a sua atividade judicante, se sabemos que o Juiz, em sendo ser humano, não é neutro?
Não estamos a defender que o Juiz saia se manifestando sobre as campanhas eleitorais em específico e muito menos apontando em quem vota ou direcionando o eleitor a votar de um jeito ou de outro, estamos nos manifestando no sentido de que o Juiz é um cidadão e como tal tem também sua liberdade de manifestação e pensamento.
O extrapolar desse direito não pode ser presumido e sim provado caso a caso como já nos manifestamos em texto supra. E esse novo texto não está se imiscuindo no mérito de nenhum dos casos em que Corregedoria Nacional de Justiça, em cumprimento a sua atividade correicional, de forma legítima, instaurou procedimento para apurar possível desvio de cada colega, pois repetimos o que falávamos, antes mesmo de qualquer regulação, existem excessos.
Entretanto, ficamos impressionados em vermos e agora de forma mais pujante pela particularidade de presidirmos uma associação local de juízes de direito e participação em diretoria de outra nacional, que alguns colegas tiveram ciência de suas notificações, em procedimento instaurado de ofício pela Corregedoria CNJ, pela mídia, quer oficial do próprio CNJ ou as demais, o que não pode ser admitido.
E com o merecido respeito que nutrimos a todos os colegas que estão conduzindo tais procedimentos, o objetivo de preservação da imagem nacional do Poder Judiciário acaba, pela forma supra, sendo atingida, já que a divulgação desses procedimentos coloca toda a magistratura em xeque, o que não é bom para justamente a imagem que deve ser preservada pelo provimento 71, alargada sua compreensão, mesmo sob a batuta de que a decisão liminar do Ministro do STF, Luis Roberto Barroso deu guarida.
Na decisão de Sua Excelência, não vemos a amplitude que se deu pela Corregedoria do CNJ e sim a correta limitação de que o Juiz não pode ter participação na atividade político partidária e isso não se discute, pelo menos por enquanto, ante ao que se tem de objetivo em nosso ordenamento jurídico. http://novoeleitoral.com/index.php/conteudo/artigos/hervalsampaio/1182-e-razoavel-que-juizes-e-membros-do-ministerio-publico-possam-se-candidatar
Não podemos admitir nunca, em defesa desse mesmo ordenamento jurídico que nos limita, a censura prévia, como bem destacou outro Ministro do STF, Marco Aurélio, preocupado com o excesso de controle do Juiz como cidadão e nós reforçamos, além desse controle discutível no mínimo, ainda sofremos um exagerado em nossa atividade judicante, pois mesmo tendo consciência de que precisamos ser o mais produtivo possível, temos, por outro lado, que prestarmos um serviço público de qualidade, em especial quando resolvemos a vida das pessoas e essas não podem ser compreendidas somente como números.
Concluindo essa pequena manifestação pessoal, ciente dos riscos que porventura possa ter, nesse momento, em que se cobra dos Juízes uma postura de múmia fora dos autos, continuaremos firmes exercendo nossa qualidade de cidadão, preocupado em politicamente puder orientar a população, pois somos, indiscutivelmente, agentes políticos, na acepção do termo da palavra, cumprindo, fielmente os atos normativos primários, em especial a Constituição, como deixamos claro em entrevista a uma emissora de rádio na cidade de Natal. http://bit.ly/amarnradiocidade
Ou, acaso não ajamos assim, seremos na prática subcidadão e isso não admitiremos nunca, pois a Constituição Federal em seus 30 anos não faz distinção da qualidade de cidadão de todos e sim os limita, por outros valores, e essa limitação aceitamos, desde o dia que nos tornamos Juiz, mas com ela não veio a perda total da cidadania.
Herval Sampaio Júnior
Mestre e Doutorando em Direito Constitucional, Especialista em Processo Civil e Penal, Professor da UERN, ESMARN, Coordenador Acadêmico do Curso de Especialização de Direitos Humanos da UERN. Autor de várias obras jurídicas, Juiz de Direito e ex-Juiz Eleitoral.
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