Por um pacto de cumprimento da lei

Por um pacto de cumprimento da lei


Tenho evitado há algum tempo escrever textos, contudo estando de férias do exercício do cargo de Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte (AMARN) e Vice-Presidente de Integração da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), e a par dos últimos acontecimentos, me vi impelido a publicizar o que penso está faltando na grande maioria das atitudes das autoridades de todos os Poderes, o mais básico, qual seja cumprir a lei pelo princípio que nunca pode ser olvidado: o democrático.


A realidade nua e crua, como se diz, nos comprova que vivemos uma fase de voluntarismos acentuada, em que as autoridades, mesmo que de boa-fé, se arvoram no desejo de responder aos anseios da sociedade, sem a mínima preocupação de que para tal intento já se tem um parâmetro e na realidade o único válido, justamente porque nele se respeita objetivamente a própria vontade do povo.


Os espaços cedidos a todas as autoridades pela própria lei, esta entendida no seu sentido mais amplo e por óbvio, também inclusa a Constituição Federal e as Estaduais, e até mesmo todos os possíveis sistemas hermenêuticos não permitem ao interprete e aplicador dos atos normativos, que se desgarre objetivamente do que foi preconizado pelo Legislador.


Essa lição comezinha parece ter sido esquecida nos últimos tempos, trazendo a nossa sociedade uma insegurança jurídica nunca vista e que se potencializa de um jeito que nos assusta ao ponto de se entender que é a chegada a hora de se fazer um pacto pela legalidade.

Sem se fazer qualquer crítica em concreto, mas ao mesmo tempo enunciando, infelizmente, que os próprios guardiões de nossa Constituição Federal, Ministros do Supremo, afastam a legalidade quando entendem que o melhor caminho está nos seus valores, fica difícil cobrar das demais autoridades o respeito que se espera de cumprimento objetivo da lei.

Nessa tumultuada semana, vimos assustados Ministros se digladiando e ao mesmo tempo se contradizendo com suas próprias decisões, deixando de lado a coerência e principalmente segurança jurídica advinda da lei, logo é mais do que oportuna a mensagem de nosso Presidente do STF, Luiz Fux ao dizer que daqui para frente teremos um STF decidindo de modo uníssono e em sua forma colegiada como regra geral, já que as exceções, pela lei, são muito poucas.

Realmente, quando se tem, por exemplo, como regra geral suas Excelências deliberando, liminarmente, em ações de controle concentrado de constitucionalidade, quando a lei que rege a matéria é clara que tais decisões provisórias só podem ser tomadas por composição plenária, a notícia além de alvissareira, nos traz a esperança de que se comece, enfim, todos a cumprirem, objetivamente, as leis.

E tal dever, em momento algum, respeitando o devido processo legal, impede aos Juízes de todo o Brasil, incluindo, também o Supremo que em um caso concreto deixem de aplicar a lei por entendê-la inconstitucional, porém, ao fazê-lo, além da devida justificação, garante-se ao próprio jurisdicionado um direito seu, não ser compelido a fazer nada por uma lei que não esteja em conformidade formal e substancial com a Carta Magna.

Entretanto, na maioria dos casos, esse não é o maior problema hodiernamente, pois afastar dada lei, nesse processo de controle de constitucionalidade, é dever das autoridades em geral, e sim a patente substituição do que está objetivamente previsto na lei pela sua vontade e isso, por mais que se tenha um escopo dos melhores, não pode continuar ocorrendo em um Estado que se intitula Constitucional Democrático de Direito.


Portanto, nessas poucas palavras, o que se deseja é quem sabe inaugurarmos uma nova fase, a partir desse exemplo positivo do Supremo Tribunal Federal, todos por um pacto de cumprimento objetivo da lei, porque assim teremos na prática um valor também presente em nossa Constituição Federal e que anda sendo ultimamente olvidado, a desejada segurança jurídica.

Desta forma, nossa sociedade, com certeza, andará bem melhor, já que quando houver total desconformidade de seus desejos com os da lei, esta poderá e deverá ser modificada pelas legítimas autoridades, os nossos parlamentares, através do devido processo legal, e não estes e demais autoridades dos outros Poderes, fazerem vista grossa a esse mandamento maior de nosso agir como autoridades.

O poder não é de nenhuma das autoridades, o poder sempre será o do povo por suas leis, e se estas não são boas ou deixaram de ser boas, que sejam modificadas pelo devido processo legislativo, já que as outras espécies do devido processo legal não autorizam, em lugar nenhum, a substituição que, infelizmente, virou moda.

Por Herval Sampaio
Juiz de Direito e Professor Universitário

Gostou do conteúdo?! Compartilhe!