Muito antes da publicação do provimento nº 71 da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ , de lavra do Ministro João Otávio de Noronha, na qual, de plano, registramos a sua indisfarçável boa intenção, diante de tantos excessos cometidos por alguns colegas em relação à liberdade de expressão e pensamento, publiquei texto em que chamava atenção de que os Juízes não podiam, mesmo com essa realidade, perder a sua qualidade de cidadão em razão do cargo, trazendo o referido posicionamento como pórtico de nossas ponderações, agora sobre o citado provimento.
E tentando equilibrar os indiscutíveis direitos que temos como cidadãos, penso que sua Excelência, além de misturar temas que não guardam conexão direta, uso do e-mail institucional e manifestação de juízes nas redes sociais, acabou tolhendo um direito fundamental, que mesmo não sendo absoluto, não poderia ser restringido como foi pelo provimento, sob a fundamentação de que colegas se excedem e confundem o próprio direito com a vedação de exercício de atividade político-partidária.
E partiu do raciocínio, com todo respeito equivocado, de que a referida vedação poda o direito, de como cidadão, nos manifestarmos, inclusive sobre questões políticas na acepção do termo. O que não podemos é agir com politicagem, mas os Juízes são agentes políticos e respeitando os limites já previstos na Lei Orgânica da Magistratura e Código de Ética da Magistratura pode e deve se manifestar, auxiliando a maior tarefa hodierna, conscientizar as pessoas sobre a sua cidadania, mostrando, inclusive, que deve ser a mais ativa possível.
E nossa crítica ao provimento reside justamente porque conduzirá, de certo modo, a uma patente letargia nessa função social da magistratura, tão bem utilizada por alguns colegas e que agora ficarão, no mínimo, receosos em continuar nessa linha.
Sempre me coloquei dentre os Juízes que interagem muitos nas redes sociais, participam ativamente de ações sociais extra autos e agora como Presidente de uma associação de Juízes de Direito, intensifiquei tais linhas, tanto no institucional quanto no pessoal e mesmo respeitando o poder normativo do Ministro, publicizo, desde já, que continuarei rigorosamente na mesma pegada, já que não vi em nenhuma de minhas falas nenhum excesso, logo o provimento não pode retirar minha qualidade de cidadão.
No Brasil, de um modo geral, os agentes públicos agem em abstrato, presumindo ilegalidades e a própria má-fé, quando deveriam caso a caso buscar responsabilidades de quem supostamente feriu o ordenamento jurídico, trazendo a punição como alerta a sociedade e não punindo a todos sem o devido processo legal.
Em relação ao provimento combatido, a Associação Nacional dos Magistrados Estaduais – Anamages, entidade da qual me orgulho de fazer parte e integrar sua diretoria, saiu em defesa da magistratura, chamando a atenção pela possível censura, o que não se pode admitir em um Estado Constitucional Democrático de Direito, registrando-se o seguinte:
“Vale mencionar que os Tribunais de Justiça de todos os Estados realizam correições regulares de modo a acompanhar o desempenho e a atuação dos Juízes de Direito. Neste sentido, o ato da Corregedoria Nacional de Justiça apresenta-se como desnecessário e figura como ferramenta de censura àqueles que têm a vida exposta diuturnamente pela mídia e por agentes sociais interessados em ferir a honra dos membros da classe”
Na mesma toada seguiu a Associação dos Magistrados do Estado da Paraíba – AMPB, da qual também registramos:
“Como é por todos conhecido, a magistratura se submete a restrições diversas tanto em sua vida pública quanto no âmbito particular. Entretanto, toda disciplina de orientação e fiscalização dos seus atos já se encontra prevista na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura e no Código de Ética da Magistratura e, portanto, as condutas dos juízes que eventualmente infrinjam suas obrigações e restrições funcionais, inclusive as praticadas no âmbito das redes sociais, devem ser avaliadas caso a caso, através de procedimento próprio, como o fazem rotineiramente as corregedorias de justiça e a Corregedoria Nacional de Justiça”
Em esclarecimentos aos seus associados, a própria Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB também se posicionou:
“A despeito das preocupações externadas pela Corregedoria Nacional nos “considerandos” do ato normativo, fato é que a ninguém é dado fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei e as regras normativas da magistratura estão fundamentalmente na Lei Orgânica da Magistratura e no texto constitucional. Eventuais excessos, abusos ou ilegalidades devem ser apurados caso a caso, não se justificando, no entendimento da AMB, a expedição de “provimento” para regular uso de rede social privada do magistrado”
O tema ora analisado é tão complexo que além de vários ministros do Supremo Tribunal Federal sempre comentarem situações políticas na linha aqui trazida, quanto ao provimento, Marco Aurélio também falou em censura prévia, senão vejamos:
“a medida do CNJ “ressoa como censura” a juízes. “Não é uma crítica direta ao Conselho, mas, na minha visão, o controle nesse caso é sempre posterior, senão ressoa como censura prévia”
Enunciamos também que outras associações nacionais, locais e autoridades se manifestaram e o fizeram, no nosso sentir, não porque discordam da preocupação de sua Excelência, tão bem retratadas nos considerandos do provimento, mas porque não se pode entender como plausível a restrição e na prática punição de todos os Juízes, pois a grande maioria, já tão sacrificada, nesses últimos anos, por incompreensão da sociedade quanto aos seus direitos, vê agora mais um direito fundamental ser tolhido em sua essência e com certeza irá se acautelar quando de suas manifestações pessoais, tudo para evitar um processo perante a corregedoria local e até mesmo nacional.
Respeitando essa patente cautela que a maioria dos Juízes vão ter daqui pra frente, acaso não haja revogação do provimento, agiremos da mesma forma e não nos sentimos intimidados pelo mesmo, já que claramente o próprio ato reconhece nosso direito, logo continuaremos a falar com a mesma intensidade, sempre nos preocupando em não tratar de casos concretos e nem mesmo criticar pessoas em específico e sim suas posturas, em especial como homens públicos, já que nessa qualidade, devem ser constrangidos pela sociedade.
E nós, Juízes, não fazemos parte da sociedade?
Finalizamos esse pequeno texto, deixando claro que falamos como cidadão e não como Juiz e muito menos Presidente de Associação, logo o mais importante é questionar não o acerto do provimento em querer podar os excessos, mas a forma de fazê-lo, pois claramente pune toda a magistratura, sem que esta seja ouvida, isso porque para a maioria das autoridades é muito mais fácil agir contra todos do que contra um e isso sempre seremos contrários, na esperança de que o geral passe a ser exceção e se tem muito Juiz se exarcebando quanto aos seus direitos, que as Corregedorias identifiquem, dê-lhes o devido processo legal, para ao final puní-los, preservando os demais, que agem em conformidade com o ordenamento jurídico e pelo provimento estão sendo tolhidos em um direito que a própria democracia o traz como essencial ao regime.
Então, que se puna um a um e não a todos!